Confiança é algo que os seres humanos estão a ter cada vez menos em tudo e em todos, mas se quisermos ela pode ainda existir como preconiza o poema do meu amigo e autor Euclides Cavaco.
Quando nasce uma amizade Ela brota com a esperança Que entre os amigos há-de Ser sincera a confiança !...
Vem o amor e depois Sagra-se com aliança Para selar entre os dois Recíproca confiança...
Confiança é qualidade Que inspira mútuo respeito Em salutar lealdade No seu mais puro conceito.
Ter confiança é riqueza Que todos nós deslumbramos De confiar com firmeza Em quem a depositamos.
É sem ver acreditar Com íntima segurança É não ter que duvidar Quando existe confiança.
É virtude a confiança Que deverá ser mantida Desde os tempos de criança Sempre até ao fim da vida !...
Impiedoso Setembro … Traz a balada de Outono Que muda na folha as cores Seduz e despe as flores Num sestro de abandono...
Em toada persistente As folhas , essas coitadas Vão caindo lentamente Das árvores amarguradas Ao ficarem desnudadas De cada folha cadente...
Será que uma folha sente Na despedida a tristeza ?… Como dom da Natureza !… E que em secreta amargura Sofre, mas nunca se queixa Como alguém que a Pátria deixa Por destino ou desventura ?!…
E em cada folha caída Resta uma angústia profunda Num frágil sopro de vida A sussurrar moribunda: Não fez sentido viver Esta tão curta existência… Outono… Sem clemência Tão cedo me fez morrer !…
O sábio de Bechmezzinn (aldeia situada no norte do Líbano) era muito rico. Dedicava o melhor do seu tempo ao estudo e a tratar os doentes que o procuravam. A sua fortuna permitia-lhe socorrer os infelizes e toda a gente dizia que ele era a dedicação em pessoa. Homem piedoso e recto, a injustiça revoltava-o. Muitas pessoas vinham consultá-lo quando tinham alguma divergência com vizinhos ou parentes. O sábio dava os melhores conselhos e desempenhava frequentemente o papel de mediador. Tinha uma gata a quem se dedicava particularmente. Todos os dias, depois da sesta, ela miava para chamar o dono. O sábio acariciava-a e levava-a para o jardim, onde ambos passeavam até ao pôr-do-sol. Ela era a sua única confidente, diziam os criados. A gata dirigia-se muitas vezes à cozinha, onde era bem recebida. O cozinheiro não escondia nem a carne nem o peixe, porque ela nada roubava, fosse cru ou cozinhado, contentando-se com o que lhe davam. Ora, uma tarde, depois do passeio diário, a gata roubou furtivamente um pedaço de carne de uma panela. Tendo-a surpreendido, o cozinheiro castigou-a puxando-lhe severamente as orelhas. Vexada, a gata fugiu e não apareceu mais durante todo o serão. Intrigado, o sábio perguntou por ela na manhã seguinte. O cozinheiro contou-lhe o que se passara. O sábio saiu para o jardim e durante muito tempo chamou a gata, que acabou por aparecer. — Porque roubaste a carne? — perguntou o sábio. — O cozinheiro não te dá comida que chegue? A gata, que tinha parido sem que ninguém soubesse, afastou-se sem responder e voltou seguida de três lindos gatinhos. Depois, fugiu e trepou à figueira do jardim. O sábio pegou nos três gatinhos e entregou-os ao cozinheiro que, ao vê-los, mostrou uma grande admiração. — A gata não roubou comida a pensar nela. — declarou o sábio. — O seu gesto foi ditado pela necessidade. Portanto, não é de condenar. Para alimentar os filhos, qualquer ser, mesmo mais frágil do que um mosquito, roubaria um pedaço de carne nas barbas de um leão. A gata limitou-se a seguir o que lhe ditava o seu amor maternal. A conduta dela nada tem de repreensível. O pobre animal está a sofrer por a teres castigado injustamente. Fugiu para a figueira porque está zangada contigo. Deves ir lá pedir-lhe desculpa, para que se acalme e tudo volte ao normal. O cozinheiro concordou. Tirou o turbante, dirigiu-se à figueira e pediu perdão ao animal. Mas a gata virou a cabeça. O sábio teve de intervir. Conversou longamente com ela e lá conseguiu convencê-la a descer da árvore. A gata desceu lentamente da figueira, veio a miar roçar-se nas pernas do sábio e foi para junto dos seus três filhotes.
(Tradução e adaptação Jean Muzi - 16 Contes du monde arabe - Paris, Castor Poche-Flamarion, 1998 - adaptado)